terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A professora Maria Olegário Cardoso abriu-nos a sua porta...

Ontem andámos novamente com os voluntários de leitura a espalhar poesia e música, e fomos ao coração da cidade à procura daqueles que quase parecem passar despercebidos entre a multidão, daqueles para quem a solidão, o recato, a rotina e o recolhimento são quase sempre o seu dia-a-dia...

Na rua 25 de abril descobrimos Maria Olegário de Jesus Barbino Mendes Cardoso, professora do ensino básico aposentada, que passa os seus dias colecionando recortes de jornais e revistas, juntando fotografias de um passado que recorda com orgulho e prazer e escrevendo os seus poemas que têm vindo a lume nos jornais de Silves.

Com o exemplo desse desassossegado (e desassossegante) ser humano que se move lentamente, com esforço (evita pedir ajuda), apoiada em duas muletas pelas ruas da cidade (re)aprendemos ontem mais um pouco sobre valores como a determinação, a persistência e a liberdade individual...

Maria Olegário Cardoso partilhou connosco a sua intimidade, os seus dossiers a que ela chama "arquivos" e numera (já vai no n.º32), as suas preferências literárias (Eugénio de Andrade é uma das suas referências), os seus fiéis companheiros de quatro patas e ainda alguns versos seus, bem lúcidos, como este: "Tenho de renascer para ser eu..." (lembrei-me então da poesia da brasileira Cecília Meireles: "A vida só é possível reinventada").

Para janeiro ou fevereiro de 2013 - quando voltar de Sintra, onde vive sozinha e para onde irá partir nos próximos dias - ficou a promessa de a levarmos à biblioteca (que ela não conhece) e de poder participar no voluntariado de leitura, ideia que acolheu entusiasticamente ao ponto de daquele momento telefonar a uma amiga para partilhar o momento que estava ali a acontecer.

Um dos poemas que lhe lemos e que a emocionou foi este, de Ana Goês:

CONVIDA-ME SÓ PARA JANTAR

E não queiras depois fazer amor.
Convida-me só para jantar
num restaurante sossegado
numa mesa de canto
e fala devagar
e fala devagar
eu quero comer uma sopa quente
não quero comer mariscos
os mariscos atravancam-me o prato
e estou cansada para os afastar
fala assim devagar
                devagar
não é preciso dizeres que sou bonita
mas não me fales de economia e de política
fala assim devagar
                devagar
deita-me o vinho devagar
quando o meu copo estiver vazio.
Estou convalescente
sou convalescente
não é preciso que o percebas
mas por favor não faças força em mim.
Fala, estás-me a dar de jantar
estás-me a pôr recostada à almofada
estás-me a fazer sorrir ao longe
fala assim devagar
                devagar
                devagar


Aqui ficam alguns instantes desta visita, em que colaboraram os voluntários de leitura Rosa Santos e Paulo Pires.






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