- Marco Mackaaij trouxe vários poemas de autores holandeses - universo pouco conhecido entre nós -, traduzidos por si, e ainda enquadrou e leu, entusiasticamente e com alguma ironia pelo meio, alguns textos poéticos da sua autoria. Entre estes últimos transcrevemos dois:
PIIGS neo-liberais
Somos todos iguarias
Uns ainda mais que outros
Na quinta dos canibais
[sem título]
Uma cara jovem no jornal
Olhar não muito inteligente
Mas sem traços de atraso mental
Não propriamente bonita
Embora não repugnante
A pele denuncia uma fumadora compulsiva
Tem olheiras e uma expressão indiferente
Provavelmente não acabou a escola (ainda)
Não sei porquê, parece-me desempregada
Manhãs na cama, tardes pelas ruas
Noites de televisão e computador
O cinzeiro o depositário da sua frustração
Uma vez por mês a espera na segurança social
Maço de tabaco na mão como a mãe
No ar de jovem insatisfeita já paira
a mulher adulta resignada com a seca
chamada vida
Mas pode ser tudo preconceitos meus
Imagino sempre o pior
Tem apenas uma cara perfeitamente olvidável
Ao passarmos por ela na rua
Numa tarde qualquer
Ele deve ter pensado o mesmo
Antes dela o agredir, derrubar e
pontapear a sua cara (homossexual)
até à morte
E dois exemplos de poetas da Holanda:
O Poeta Romântico
Depois de, uma vez e acima de tudo, me ter apercebido
da dissociação trágica do meu ser
- tinha a certeza que nunca mais recuperava -
desde
descontentamento com o dia-a-dia, mesmo sofrer
de presente inalcançável, doloroso desejo
de não-sei-quê, se tornou dominante
nunca deixei de constantemente morrer jovem.
De Romantische Dichter
Anton Korteweg
Blues on Tuesday
Sem chavo
Sem lume
Sem coca
Sem livro
Sem deus
Sem broca
Sem tola
Sem tempo
Sem pão
Sem merda
Sem peva
Sem porra
Jules Deelder
- Sobre o tema de Natal Ana Paula Baptista partilhou um tocante texto do brasileiro Carlos Drummond d'Andrade intitulado "Organiza o Natal" (retirado da obra Cadeira de Balanço, de 1972). Algumas passagens ilustrativas:
Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom. [...]
A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.
A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.
Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.
O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.
Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.
A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.
O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.
E será Natal para sempre.
Versão integral do texto em: http://www.releituras.com/drummond_organizanatal.asp
Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom. [...]
A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.
A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.
Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.
O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.
Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.
A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.
O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.
E será Natal para sempre.
Versão integral do texto em: http://www.releituras.com/drummond_organizanatal.asp
- Ainda sobre a quadra que aí se aproxima, Maria Fernanda Marcelino leu o belo texto "Glosa de Natal" (da obra O tempo esse grande escultor, de 1976), da grande escritora Marguerite Yourcenar, porque - como remata o texto - "não é mau lembrar estas coisas que toda a gente sabe e que tantos esquecem". O texto pode ser lido em: http://boassas.blogspot.pt/2012/12/glosa-de-natal.html
- António Baeta evocou o poeta Jorge Sena e o seu incontornável poema "Cabecinha romana de Milreu" e trouxe mais um miniconto da sua autoria, intitulado "Um conto a fazer de conta", que já publicara no seu blogue Local & Blogal: http://blogal.blogspot.pt/2005/04/um-conto-fazer-de-conta.html
- José Paulo Vieira revisitou um traço forte de Silves, o grés, num poema a que não faltam subtis (outros) sentidos, denominado "O grés que se desfaz (desfez)":
Do galicismo,
grés,
este quartzo aglomerado.
O detrítico,
arenito,
só de nome, alterado.
A mesma,
rocha.
A mesma,
areia fina,
que há muito
ter-se-á,
juntado.
Nada perene,
esta se definha;
ao leve toque,
ao molhado,
à pequena brisa,
ao vento,
açoitado.
Grés,
de Silves,
há muito se desfaz,
muito,
já se desfez;
esse tom ruivo, porém,
inalterado.
Espero,
que permaneças.
Espero,
que não desvaneças.
Apesar, do que se desfaz...
do que já se desfez,
GRÉS.
28Nov2013
- Quanto a temas, debateu-se o desassoreamento do rio Arade - questão levantada por José Paulo Vieira -, ao nível dos antecedentes e evolução histórica do processo, bem como das expectativas (reais e/ou ilusórias) que se foram criando, ao longo dos tempos, em torno da viabilidade do projecto e das suas repercussões turísticas e económicas para a cidade/concelho de Silves. Frisou-se a importância de haver, em primeiro lugar, uma estratégia bem delineada (e divulgada) de atractividade e de dinamização cultural e turística (consistentes, regulares e abrangentes) para a cidade, a qual envolva quer o Município quer os restantes agentes da sociedade civil (culturais, comerciais, empresariais e outros).
- A propósito de uma recente exposição, por escrito, feita por Manuel Alves à presidência da Assembleia Municipal de Silves, também houve tempo para falar do estado da sinaléctica viária (má colocação, ausência de referências, etc.) patente em vários pontos do concelho, como, por exemplo, no sítio do Poço Frito e na "armadilha" aí existente para os automobilistas no que concerne à questão da velocidade e da aplicação de contra-ordenações.
- Sónia Pereira partilhou um ilustrativo e contundente texto (actualíssimo) da reconhecida investigadora Raquel Varela, intitulado "Vamos comer os velhos". A cientista social relembra o ensaio satírico "Uma modesta proposta", de Jonathan Swift (publicado em 1729), e propõe o seguinte: "comermos os velhos para ficarmos com as reformas e ao mesmo tempo aumentar os níveis de produtividade porque vão servir de carne para alimentar muita gente". Nesta entrevista concedida à revista Time Out Raquel Varela antevê assim um espectáculo-conferência, mano a mano com Rui Zink, que vai estrear em Lisboa precisamente sobre esse tema. Mais info em: http://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2013/11/13/vamos-comer-os-velhos-entrevista-de-raquel-varela-a-time-out/
- Paulo Pires sugeriu a consulta do site Update or die, onde é possível aceder a conteúdos actuais e atractivos, de inegável qualidade e interesse, a nível das seguintes áreas: Criatividade, Música, Design, Tecnologia, Estilo & Comportamento, e Ciência. http://www.updateordie.com/
A PRÓXIMA TERTÚLIA, A ÚLTIMA DE 2013, SERÁ NO DIA 12 DE DEZ, PELAS 21H30, NO QUIOSQUE AL'MUTAMID.
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